terça-feira, 26 de outubro de 2010

Guaíra


Das seis bacias hidrográficas da cidade de Curitiba, a mais povoada, e, portanto, a que mais tem significado para a população, é a do rio Belém. Dos inúmeros arroios e córregos que desaguam no Belém, boa parte é conhecida e seus nomes compreendidos. Alguns porém, tornam-se obscuros e até mesmo esquecidos. Como exemplo, pode-se citar o ribeirão do bairro Guaíra. Esse rio nasce no bairro do Água Verde, atravessa a Av. Presidente Kennedy e segue através do  bairro Guaíra, desaguando no Rio Pinheirinho, na Presidente Wenceslau Bráz. É o nome desse rio que será o objeto de nossa análise.
Não se sabe, a princípio, qual nome veio primeiro, se foi o do bairro ou do rio. O bairro foi conhecido, desde o desmembramento da propriedade dos Hauer, como Vila Guaíra. O rio, homônimo, pode ser a origem do nome do bairro. Esse fenômeno é comum na cidade de curitiba, como se nota nos rios Vista Alegre, do Capão da Imbúia, ou o córrego da rua Waldemar Loureiro Campos entre outros [1][2][3]. O contrário porém, também é verdadeiro. Nota-se, por exemplo, o rio Bacacheri e Bacacheri miri, que cederam nome ao bairro, conhecido por campo do bacacheri no passado [4][5].
O nome guaíra, originalmente, designava o Salto das Sete Quedas, na fronteira entre Brasil e Paraguai. As setes quedas não existem mais, posto que hoje há o lago de Itaipu no local do antigo acidente geológico. O seu legado toponímico, porém, ainda é verificável, em ambos os países. Citem-se primeiro os municipios próximos ao lago da hidrelétrica: Guaíra, no lado brasileiro, Salto del Guairá, no lado paraguaio. Reflexos se encontram, por exemplo, em Curitiba: o teatro guaíra, o rio guaíra e o bairro. 
O significado de guaíra, segundo Teodoro Sampaio [6], é ‘aquilo que se não há de passar’, advindo do guarani antigo, justamente indicando que as Sete Quedas seriam intransponíveis. A palavra, em tupi antigo, originalmente seria 'i kuae´y´rama'.[7] 
Nota-se, que em já no guarani antigo, ao contrário do tupi clássico (aqui se não inclua o tupi de são vicente), as sílabas átonas finais tendiam a cair, e não se manter em formas absolutas de palavras. Dir-se-ia Jaguá, e não Jaguara, Karai, não Karaiba, Mitã ao invés de Mitanga, entre outros exemplos. Aplicando-se essa lógica ao nome acima proposto, teríamos 'I kuae´yrã'. Um outro ponto forte para essa idéia é o ponto de que, em guarani moderno, a mesma partícula -(r)ama do tupi antigo torna-se apenas -rã.[8] 
A tendência, em português, é de se adaptar os nomes em tupi que terminem em vogal nasal, -ã, em vogal aberta.  Observe-se, por exemplo, o nome de um estado brasileiro: Paraná. Em tupi antigo, assim como em tupi moderno, o vocábulo para rio é paranã, exatamente o mesmo significado atribuído ao nome do estado e do rio. Outros vocábulos que em português se aplicam a esse ponto são nomes como guarani, kiriri, caui, entre outros. Com tal em mente, toma-se a seguinte conclusão, que ao se passar para o português, o vocábulo, num segundo período, teria se tornado de I kua´eyrã para Ikua´eyrá e depois, teria se regularizado para a norma portuguesa, tornando-se guaíra. Em guarani moderno, o nome é guairá, assim como era o nome da redução jesuíta que ali havia, e que foi destruida pelos bandeirantes. Ao se ler a palavra reconstruida,  temos 'i kuae´yrã(ma)' em que, seguindo a regra fonética do tupi antigo e do guarani, põe-se a tônica sobre o -rã. Assim, a pronuncia mais arcaica em português seria, possivelmente, guairá, como ainda é em guarani. 
O nome guaíra, portanto, seguindo a proposição de Teodoro Sampaio, viria do guarani antigo, 'I kuae´yrã(ma)', com o significado de 'que se não há de passar', e teria passado ao português em dois períodos distintos: 

  • Tempos mais antigos, na época das reduções jesuíticas, com o nome Guairá;
  • Em tempos mais recentes, com o nome Guaíra.

A trajetória, do vocábulo, possivelmente, foi a seguinte: 'I kuae´yrã '> 'Kuae´yrã' > 'Kuae´irá'> Kuairá > Guairá > Guaíra. Com isso, portanto, chega-se ao significado do nome do rio e do bairro de Curitiba. Disso advém duas possíveis motivações para o batismo de ambos: ou, por algum motivo que pudesse parecer aos colonizadores de origem paulista e falantes de tupi, ou para os índios que haviam no planalto, que as águas desse rio fossem intransponíveis, ou, em homenagem às setes quedas, noemou-se o rio, ou o loteamento da propriedade dos Hauer. 





Referências
1-Mapa Hidrográfico de Curitiba. SMSA 1996
2-Idem
3-Idem
4-Idem
5-Fenianos, Eduardo. Bacacheri - Tingui- Vamos Voar...
Univercidade, 1999
6-Sampaio, Theodoro. O Tupi na Geographia Nacional. 
Memoria lida no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo. São Paulo: Typ. da 
Casa Eclectica.1901
7-Navarro, Eduardo de Almeida. Método Moderno de Tupi Antigo
Petrópolis, Vozes, 1998
8-Rodrigues, Daniele Marcelle Grannier. Fonologia do Guarani Antigo.
Mestrado, Unicamp, 1974

Um comentário:

  1. Muito interessante, saber a origem do nome do Rio Guaíra e também do nosso bairro GUAíRA. O que precisamos é mudar o comportamento dos moradores de colocar lixo nas margens dos rios que atravessam nosso Bairro e zelar mais de sua beleza para trazer mais saúde ao povo que aqui reside.

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